Há uns seis milhões de anos, os primeiros humanos começaram a andar sobre duas pernas, mas com o apoio das mãos. Há cerca de dois milhões de anos, tornaram-se totalmente bípedes, com ossos longos nas pernas a proporcionarem grandes passadas e boa capacidade para cobrir grandes distâncias. Os antropólogos acreditam que isso pode tê-los ajudado a prosperar nas vastas pastagens da África Oriental.
Assim passámos a ser uma espécie ambulante. Caminhar passou a fazer parte do ser humano. No entanto, nas últimas gerações, fomos reduzindo esse hábito de andar a pé. Primeiro, com o recurso a montar o cavalo, depois o cavalo e a carruagem e finalmente o automóvel deram-nos um modo para contornar o incómodo de colocar, sucessivamente, um pé à frente do outro e assim caminharmos. O culto do carro fez cair muito do andar a pé. Para muita gente, o tipo de carro simbolizava um certo estatuto pessoal.
O prazer das quatro rodas tirou energia às duas pernas. As cidades que foram sendo cada vez mais organizadas para satisfazer o fluxo do trânsito motorizado tornaram-se hostis para os pedestres.
Dan Rubinstein, no livro Born to Walk: The Transformative Power of a Pedestrian Act, lembra que, há 40 anos, dois terços das crianças norte-americanas iam à escola a pé ou de bicicleta. Hoje, apenas um terço o faz.
Será que a calamidade COVID-19 pode trazer, apesar de tudo, alguma transformação positiva e reverter essa tendência? Parece evidente que há mais gente a caminhar. O teletrabalho puxa para caminhadas, para desentorpecer. Há mais gente a levar o cão a passear. É uma das mudanças com contornos positivos resultantes desta terrível crise global. Falta ver se o hábito fica instalado.
Está reconhecido que os benefícios de caminhar são imensos. Dan Rubinstein, no livro já citado, trata de arrumar ideias: o “esforço medido” de uma boa caminhada ajuda a prevenir a obesidade, doenças cardíacas e diabetes tipo 2; reforça ossos e massa muscular; apura o sentido do equilíbrio, portanto, reduz as quedas. Caminhar também ajuda a limpar a cabeça.
Os decisores nas cidades mais avançadas pelo mundo já estão a comutar a prioridade estratégica: em vez do automóvel, a pessoa – o peão.
Em Paris, a “maire” Anne Hidalgo conduz essa transformação que passa pelas ruas de todos os bairros (circulalão automóvel condicionada e redução drástica da velocidade autorizada) e até pelos emblemáticos Champs-Élysées que vão ter as faixas para automóveis reduzidas para metade, com alargamento do já amplo espaço para peões.
Em Edimburgo, a imponente George Street deixa de ser atravessada por trânsito motorizado.
Em Toronto, uma avenida marginal passou a ser pedonal.
As cidades estão a mudar. A pandemia contribuiu para redescoberta da necessidade e até gosto de andar a pé.
Estamos de novo a aprender a caminhar.